Meditação através da leitura do livro “O Mahabharata” verdadeiro yoga da sabedoria

Deixo aqui um trecho do livro “O Mahabharata”  verdadeiro yoga da sabedoria para sua meditação ao  final do dia ou todas as vezes em que sentir a necessidade de obter inspiração e clareza.

abraço

Marc André da Rocha Keppe

Trecho do livro “O Mahabharata, contado por Jean-Claude Carrièri, editora Brasiliense, páginas 169-170

“Krishna falou que a renúncia não é suficiente; que não se deve permanecer solitário, inativo, pois estamos todos a serviço do mundo e o mundo precisa de nós. Disse mesmo:
_ Levanta-te e combate, livre de toda esperança.
_ Como pôr em prática isso que me pedes? – perguntou Arjuna, sempre prostrado na poeira do chão.
_ O espírito é caprichoso e instável; é fugidio, febril, turbulento e tenaz. Subjugá-lo parece-me mais difícil que dominar o vento.
_ É verdade – disse Krishna, – porém, escuta-me: para começar, deves distinguir-te daqueles que dizem “ganhei tanto hoje, ganharei tanto amanhã, sou rico, poderoso, sou feliz”. Eleva-te bem acima dessas satisfações mediocres, que dão a ilusão de uma vida realizada. Tens que aprender a ver com os mesmos olhos um torrão de terra e um monte de ouro; uma vaca e um brâmane; um cão e um comedor de cães. Senão, toda a ação desinteressada ser-te-á impossível.
_ Mas, como decidir? Como escolher? Mesmo sem querer, o homem é impelido a fazer o mal, como se fosse obrigado a isso. Por quê?
_ Existe um caminho para curar-te desse veneno – disse Krishna.
_ Qual o caminho?
Para responder a essa pergunta, Krishna teve que fazer um longo rodeio, pois o conhecimento é um tecido contínuo, do qual não se pode cortar um pedaço aqui, outro ali. Ele conduziu arjuna através da densa floresta da ilusão. Pôs-se a ensinar-lhe o antigo ioga da sabedoria, pelo qual se avança sobre o misterioso caminho da ação. Disse:
_ Todos os homens nascem na ilusão. Como atingir o absoluto, tendo nascido na ilusão?
Lenta e cuidadosamente, Krishna conduziu Arjuna a todos os pontos de seu espírito. Mostrou-lhe os profundos movimentos de seu ser, que são geralmente secretos e seu verdadeiro campo de batalha, onde se combate sozinho e onde não é preciso flechas nem guerreiros. Apresentou-lhe toda a verdade, todos os níveis da existência, apontando-lhe a marcha completa do mundo. Conduziu-o até mesmo para além do mundo e disse-lhe:
_ O espírito é maior que os sentidos. Acima do espírito está a inteligência pura, liberta de todo o pensamento. Acima da inteligência pura está o ser universal. É onde tu vives, onde todos vivemos.
O tempo parecia suspenso e o Sol, imóvel sobre o campo de batalha. To9dos os guerreiros viam, de longe, os dois homens conversando, e mais tarde afirmaram que aquela conversa só havia durado um breve momento. E no entanto, pela medida comum, Krishna falara durante horas.
_ Sinto minhas ilusões se desfazerem, uma a uma – disse-lhe Arjuna. _ Mostra-me agora tua forma universal, se é que sou digno de contemplá-la.
Krishna levantou-se e, como havia feito durante sua embaixada a Hastinapura, mostrou-se a seu amigo.
Este levantou a cabeça. De olhos fixos, entre amedrontado e maravilhado, tentou descrever o que via:


_ Não posso contar tuas bocas, nem teus olhos, tuas jóias, tuas vestes, tuas armas. É uma visão prodigiosa, absoluta, primordial, essa forma que tudo penetra, magnífica e sem fim, como se mil sóis se elevassem no céu. Eu te vejo, vejo todos os mundos num só ponto. Da mesma maneira que os insetos atiram-se a uma chama, assim se precipitam todos os guerreiros em tua boca e tu os trituras entre os dentes. Todos querm destruir-te e tu os devoras. Através de teu corpo, vejo as estrelas, vejo a morte e a vida, vejo o silêncio. Diz-me quem tu és. Estou abalado até o fundo de mim mesmo e tenho medo.
Krishna disse-lhe em voz calma:
_ A matéria é mutável, porém eu sou tudo o que dizes e tudo aquilo que pensas. Tudo repousa em mim, como pérolas num fio. Eu sou o perfume da terra e o calor do fogo, sou a aparição e o desaparecimento, sou a serpente cósmica infinita, sou o chefe dos músicos celestes; eu sou a ciência do ser, sou a vida de cada criatura, o jogo dos trapaceirosm, sou o esplendor que brilha. Eu sou o tempo que envelheceu. Todos os seres caem na noite e todos são reconduzidos ao dia. Já venci todos esses guerreiros que tu vês à nossa volta. Entretanto, alguns acham que podem matar, e outros, que podem ser mortos; ambos enganam-se. As armas não podem ceifar essa vida que te anima, nem o fogo queimá-la; não pode ser molhada pelas águas ou ressecada pelo vento. Nada temas e levanta-te, pois eu te amo.
A forma universal se desfez aos olhos de Arjuna, que sentia uma força pentrá-lo. Krishna retomou sua aparência doce e sorridente. Disse ainda:
_ Podes agora dominar esse espírito misterioso e incompreensível; podes ver o outro lado. Age como deves agir. Quanto a mim, jamais fico inativo. Levanta-te.
Arjuna levantou-se. Retomou seu arco e suas flechas e falou:
_ Minha ilusão desvaneceu-se; meu erro está destruído. Graças a ti, reencontrei o conhecimento. Sinto-me firme. Todas as minhas dúvidas se dispersaram. Agirei conforme tua palavra.
Levantou o braço e soprou sua concha.
Imediatamente, os dois exércitos lançaram-se um contra o outro e a planície não era mais que um grito.

trecho extraído do livro “O Mahabharata, contado por Jean-Claude Carrièri, Editora Brasiliense, páginas 169, 170 e 171.

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Filed under Estudos em Psicanálise e Filosofia da Espiritualidade

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